sexta-feira, 22 de junho de 2012

O manifesto do meu candidato

  Há clubes de futebol e clubes desportivos. Para lá desses, há clubes de pessoas, que só depois são de desporto. São esses clubes - os que juntam guerrilheiros e magalas, os que alimentam almas a quem não pode alimentar o estômago, os que marcam golos com milhares de pés e não com uma única bota dourada que se tornam camisola oficial dos sonhos infantis. Quem cresce com os olhos na bola e com a bola no coração não gosta de promiscuidades: não gosta de ver taças a correr todo o arco-íris das camisolas existentes nem jogadores poliglotas: gosta da segurança de conhecer os seus, da constância do lar arrumado, do esforço do quotidiano duradouro. Quer ver jogadores constantes e títulos constantes, quer ver uma única cor em troféus e pessoas. Não lhe chamem poesia - é mais caro comprar do que manter, gasta-se mais nas compras do que se ganha nas vendas. Eles não querem ficar? Não querem porque lhes dão números, e esses crescem em todo o lado; quer em Inglaterra, quer em Espanha, quer nas contas dos "benfiquistas profissionais". Se lhes dermos história, respondem-nos com títulos; se lhes dermos, como demos ao Chalana, pão para a família, dão-nos golos para todos.
 
  O Benfica quer jogadores da formação, e não por uma qualquer tara ´chauvinista dourada com rentabilizações económicas. O Benfica quer formação porque ser jogador do Benfica é diferente de ser jogador de futebol. E isso só se aprende com o Benfica. Com o verdadeiro Benfica, claro. Com o Benfica da resistência armada nos pés e dos pés nos olhos de milhões. Quem é extremo do Benfica, tem de saber que o adepto não o vê a ele na faixa, vê Chalana e Simões, Simão e Poborski. O central tem de saber que ao seu lado tem Veloso e Mozer e Ricardo. No Benfica, só quem não joga é que se torna jogador. Só quem percebe que não joga ele, mas o Benfica é que poderá ser lembrado. Perder a vida para ganhá-la, parece irónico mas é verdadeiro.

  Hão-de vir daí títulos. Não destes, que rodam, quais meretrizes, meia europa. O Benfica sabe o que é que lhe pertence. Sabe que cada taça noutra vitrina é uma taça roubada, que não foi defendida com o carinho que merece. E é mesmo assim - os outros trabalham para ganhar títulos, nós trabalhamos para defendê-los, já são nossos. Não se trata de um aspecto acrescentado ao benfiquismo - não se pode ser benfiquista sem ser ciumento. Não se pode ser Benfiquista sem esta fúria na defesa do que é seu. Um Benfiquista não tem fome dos títulos - já são seus. Tem, isso sim, vontade de honrar o título, com quem já se comprometeu quando saiu da farmácia Franco. Por favor: não me deixem voltar a ouvir a expressão "defender o título" sem estar aplicada ao Benfica.

  Claro que a casa se constrói a partir de cima. No Benfica não pode haver sonhos desviados: olhos nos jogos mas cabeça no dinheiro. Isso não! Lembram-se do que dizia, há uns anos, Andrade e Sousa ao ser despedido? Se na comunicação se dispensam criancices, na direcção é imprescindível o entusiasmo infantil de quem sonha com o que faz e faz o que sonha. Que me limpem a casa, devolvam-lhe a inabalável cor única e que os dirigentes vibrem como um adepto que além de ver também é visto, mais nada.

  Há questões profissionais? Claro. Isto é suficiente? Não. Mas por favor, não me reduzam o Benfica a números. Não me reduzam o Benfica a equilíbrios de contas, quando não há nada de equilibrado neste meu entusiasmo doente. Não me reduzam o Benfica a equações, quando não há nenhuma igualdade entre o Benfica e os outros. Não me tragam nomes vendidos por milhões, quando há milhões sem nome que só querem títulos. Há de vir um texto mais técnico, mas como irmão pobre do que realmente interessa. Porque o Benfica não se aprende nas Universidades de Gestão nem com as Becas do desporto. Podem aprender economia, mas não economia do benfica; futebol, mas não futebol do Benfica. Que venham profissionais, mas daqueles que asseguram que ainda sentem nos dedos o cheiro da cola, de colar os cromos do benfica na caderneta. Daqueles que se safavam no teste de geografia porque sabiam onde tinha o benfica jogado a eliminatória anterior da liga dos campeões. Se me derem isto, dou-lhes o voto. Porque os melhores gestores, todos os têm. Mas os melhores benfiquistas, a esses, só os podemos ter nós. Que venha um presidente destes...

3 comentários:

  1. E ainda há candidatos desses ? Parabéns pelo blog, descobri-o apenas hoje e gostei, li-o duma ponta à outra. Interessantes algumas perspectivas. Gostava de saber qual o comentário à última assembleia de quinta, a dos tempos modernos, com apenas 350 participantes.
    eu que vivo longe e não tenho possibilidades custa-me ver o distanciamento entre o clube, ou será a sad, e os adeptos e sócios.
    Gostava de ver um presidente à Benfica, que saiba respeitar a história e valores que nos fizeram enormes. Mais do que ganhar, há que saber ganhar e não é aceitável ganhar a todo e qualquer custo, como outros são useiros em o fazer.
    a propósito da equipa da segunda categoria, onde começou o King no Benfica, achas que Norton de Matos e Jorge Jesus vão trabalhar em conjunto ? E sobre a pallete de jogadores medianos (alguns medíocres) que têm desaguado no Seixal ?

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    1. A vantagem de ter lados contrários à frente é que desperta sempre reacção. O mal faz despertar o bem, a esquerda faz despertar a direita e um benfica económico há-de despertar um benfica humano: já se vê isso na cabeça das pessoas, já se viu isso na Assembleia de quinta. Eu ainda acredito em candidatos desses, vamos ver... Quanto às segundas categorias, acho difícil o trabalho conjunto. Isto porque Norton de Matos, apesar de tudo, está a anos-luz do nosso treinador e tem ideias muito diferente. A vantagem de não se perder tempo na assimilação tática - que a segunda equipa deveria ter - perde-se se as ideias dos treinadores são tão diferentes como neste caso. Além disso, pela entrevista de Jorge Jesus, não fiquei muito entusiasmado. Claro que o treinador disse que trabalhariam em conjunto, mas para um projecto destes resultar, tem de ter um papel central na estrutura do futebol - pelas palavras de Jesus, não é o caso. Já percebeste que defendo os plantéis curtos, pelo que há muitos jogadores a mais. Não gosto, também, da banalização do nome do Benfica. Por outro lado, agarra jogadores mais cedo e mostra a dificuldade que há em vestir a camisola. Mas se não há acompanhamento dos jogadores, se não há um planeamento no nível de dificuldades dos empréstimos (veja-se o Miguel Rosa), então não serve para nada emprestar jogadores...

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  2. A vantagem de ter lados contrários à frente é que desperta sempre reacção. O mal faz despertar o bem, a esquerda faz despertar a direita e um benfica económico há-de despertar um benfica humano: já se vê isso na cabeça das pessoas, já se viu isso na Assembleia de quinta. Eu ainda acredito em candidatos desses, vamos ver... Quanto às segundas categorias, acho difícil o trabalho conjunto. Isto porque Norton de Matos, apesar de tudo, está a anos-luz do nosso treinador e tem ideias muito diferente. A vantagem de não se perder tempo na assimilação tática - que a segunda equipa deveria ter - perde-se se as ideias dos treinadores são tão diferentes como neste caso. Além disso, pela entrevista de Jorge Jesus, não fiquei muito entusiasmado. Claro que o treinador disse que trabalhariam em conjunto, mas para um projecto destes resultar, tem de ter um papel central na estrutura do futebol - pelas palavras de Jesus, não é o caso. Já percebeste que defendo os plantéis curtos, pelo que há muitos jogadores a mais. Não gosto, também, da banalização do nome do Benfica. Por outro lado, agarra jogadores mais cedo e mostra a dificuldade que há em vestir a camisola. Mas se não há acompanhamento dos jogadores, se não há um planeamento no nível de dificuldades dos empréstimos (veja-se o Miguel Rosa), então não serve para nada emprestar jogadores...

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