Vai a minha suma - e a revelação da minha fraqueza pela argumentação escolástica -, qual doctor angelicus, sobre as novas medidas aprovadas pela liga:
1. Pareceria que a extinção dos empréstimos a clubes do mesmo escalão seria uma medida benéfica para o futebol português.
argumento 1: Dá maior transparência ao futebol, porque evita as lesões de última hora, as grandes penalidades falhadas incompreensivelmente, os súbitos apagões dos jogadores mais talentosos, entre outras coisas.
argumento 2: Diminui a dependência dos clubes pequenos em relação aos grandes, que deixam de estar dependentes destes para planear a época.
argumento 3: Impede as equipas de estagnar carreiras de jogadores através de sucessivos empréstimos - o que escraviza o jogador e o impede de dar livre curso à sua carreira - pelo medo de desaproveitar um jogador e de que este venha a ser aproveitado por um rival.
argumento 4: Baixará a folha salarial dos clubes, pois não terão tantas facilidades em colocar os emprestados, o que levará à venda de jogadores que estão claramente a mais.
No entanto, não concordamos com a medida adoptada.
contra-argumento 1: Os empréstimos são uma moda recente, mais recente do que o apagamento dos jogadores revelação. A corrupção tem o pé ligeiro e entra por qualquer brecha. As promessas de contratos, as compensações extra-salariais, tudo isso existe há tanto ou mais tempo que os empréstimos. Basta ver que os árbitros não são emprestados e também fecham olhos e assinalam penalidades incompreensíveis...
contra-argumento 2: Talvez diminua a dependência dos pequenos em relação aos grandes, mas também os impede de ter melhores jogadores. A realidade económica portuguesa só permite ter grandes craques em fase laboratorial. Ora, isto implica que, muitas vezes, apesar de já se antever um grande futuro aos jogadores, estes ainda não estão preparados para jogar num grande. E também implica que um jogador de futuro, perante a opção de assinar por um clube português ou por qualquer outro, veja estreitados os atractivos lusos perante a possibilidade de ser emprestado a um clube da segunda liga. Além do mais, é uma oportunidade privilegiada dos clubes pequenos, contarem com jogadores que fizeram uma boa formação e que têm, portanto, além de qualidades técnicas, um manancial táctico muito mais evoluído. Impedir estes empréstimos significa, portanto, baixar a qualidade da primeira liga. Não foi, David Simão, uma mais-valia para a sua equipa? Foi. Tinha qualidade para jogar continuamente pelo Benfica? Para já, não. Seria benéfico para a qualidade de jogo da liga, para o Benfica, ou para a evolução do próprio jogador, um retrocesso e consequente empréstimo a um clube da segunda liga? Não.
contra-argumento 3: Talvez aconteça o contrário, e a carreira estagne mais abaixo. O empréstimo a um clube da primeira liga é uma etapa mais avançada na evolução do jogador, entre a saída de júnior e o regresso ao clube de origem. Se, muitas vezes, o regresso a casa é adiado porque há pouco espaço no plantel e a qualidade de jogo numa equipa de meio da tabela não permite calcular seguramente o desempenho do jogador numa equipa grande, muito menos o fará se cortarmos a etapa competitiva mais próxima do clube de origem. Aquilo que veremos serão jogadores estagnados na segunda liga, sem novos desafios na altura em que precisam de exacerbar o seu nível de competição.
contra-argumento 4: Com segundas categorias, possibilidade de empréstimos a equipas de outro escalão e ao estrangeiro, não baixará a folha salarial dos clubes. Provocará, isso sim, uma dispersão dos jogadores potencialmente talentosos pelos outros países, sem hipótese de jogarem na nossa liga. Em vez de termos o Nacional, durante um ano, a desfrutar da cedência de Fábio Coentrão por parte do Benfica, teremos o futebol mais pobre e o jogador a cirandar pela noite de Saragoça, sem o menor controlo da entidade patronal.
Doctor angelicus, patronum soclasticum, dixit. Ita missa est.
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