segunda-feira, 21 de maio de 2012

Formar a formação I

 Descartes, pensador, pensava o pensar. A assembleia, blogue ainda a formar-se, quer formar a formação. Se havia traços de soberba em pretender ensinar alguma coisa a quem tem competências para treinar equipas jovens, estes estão ainda mais vincados ao compararmo-nos a um dos grandes pensadores da história. Na esperança que o desplante maior disfarce o menor, arrancamos:
 Não se pretende, pelo menos por agora, especificar competências técnicas, modos de treinar ou ideologias desportivas. Haverá lugar para isso noutro texto que visará o desenvolvimento do jovem em si. Aquilo que se pretende, por agora, é apenas explicar aquilo que deve ser uma estrutura do futebol de formação.
 Diz-se, e é em parte verdadeiro, que o futebol de formação do Benfica melhorou. As equipas estão mais competitivas, há mais jogadores nas selecções e uma geração com possibilidades de ter alguns representantes na primeira equipa do Benfica. No entanto, a ideia de base é, de certa forma, estranha. Fala-se, e podemos vê-lo na apresentação oficial da formação do Benfica, de vários tipos de desenvolvimento, da escola de humanidade que o benfica é, de protocolos académicos e de todo o tipo de minúcia desportiva científica, sem que haja uma referência - salvo na apresentação da geração benfica - à tentativa de formar jogadores para o benfica. Este é o primeiro ponto que deve ser tido em conta: que o objectivo de um jovem da formação tem de ser jogar pelo Benfica. Não se trata de ser jogador do Chelsea ou do Real Madrid, nem sequer de ser jogador de futebol, mas sim de ser jogador do Benfica. Kierkegaard falava da importância do exemplo como uma possibilidade que é aberta para a minha própria vida: este é talvez o pelouro em que tem mais importância a presença de verdadeiros Benfiquistas, que mostrem o que é ter dedicação ao clube, que é possível ambicionar um coração cheio e não um bolso cheio; lembro-me de ver uma entrevista a Oriol Romeo em que, no jornal do Barça, lhe perguntavam se estava muito triste com o seu falhanço desportivo. Romeo tinha acabado de passar de uma equipa B para o Chelsea: mas não jogava no Barcelona, que é o que realmente interessa. Esta mentalidade deveria estar presente no Benfica: os miúdos devem querer, mais do que ser futebolistas, ser jogadores do Benfica. Claro que isto só é possível enquanto a possibilidade se afigurar real - se ninguém chega, da formação, a jogador importante do Benfica, não é possível cultivar-se esta mentalidade. Este problema é notório nos jogadores vindos da nossa formação: Manuel Fernandes, mal começou a ganhar importância, quis fugir; David Simão falava em afirmar-se na liga porque a história recente mostrava a dificuldade em afirmar-se no Benfica; os jogadores têm de ver a possibilidade de serem jogadores do Benfica como real, sob perigo de se desmotivarem.
 Há, no entanto, outro ponto importante. Se é verdade que eles devem querer o Benfica, também é verdade que o Benfica os deve querer a eles. Não pretendo, de maneira nenhuma, ter jogadores no plantel principal por favor. O atleta só deve integrar a equipa se tiver condições para isso. Não precisamos de ter o Romeu Ribeiro e o Hélio Roque na equipa para mostrar que temos formação: a formação é que tem de ser boa e lançar bons jogadores. O que está em causa aqui, portanto, são estratégias para rentabilizar a formação.
  Em primeiro lugar, há um factor essencial, referido na apresentação da Geração Benfica e esquecido (erradamente) nas etapas finais: a compreensão do jogo. É engraçado que o fracasso do Barcelona nesta época veio plantar novos catedráticos que davam o exemplo dos catalães como a prova da imprevisibilidade do futebol e de que não há modelos certos. É, no entanto, nesta permissa que assenta o futebol do Barcelona: a percepção de que o jogo tem factores imprevisíveis que não são controlados por características físicas mas pela capacidade de reacção a estes fenómenos imprevisíveis, isto é: a inteligência. E a inteligência não se forma apenas no campo: quem sabe interpretar bem um texto também tem uma melhor capacidade interpretativa do jogo, a inteligência não se esvai. A aposta no sucesso escolar deve portanto ser séria, não apenas para um louvor da correcção cívica, mas porque desenvolve a própria inteligência desportiva. Claro que, a partir daí, os treinos também devem ser feitos para o desenvolvimento da característica mais importante do jogador, a sua inteligência; mas, num jogador inteligente, as probabilidades de ter sucesso desportivo são logo maiores: a capacidade de interpretação do seu próprio jogo, de forma a evoluir e a capacidade de adaptação a uma nova equipa são sempre maiores.
 A própria estrutura deve, também, estar montada para facilitar a entrada dos jogadores na equipa principal. Certos treinadores defendem o uso do 4x3x3 em todas as etapas de formação porque desenvolve mais os jogadores; parece-me, no entanto, mais lógico, para quem quer formar jogadores do Benfica e não quaisquer jogadores, adaptar o modelo, nas etapas mais avançadas, ao modelo da equipa sénior. Há certos métodos de integração, já usados, por exemplo no Barcelona ou no Inter, úteis para isto mesmo: a semelhança nos treinos entre seniores, juniores e juvenis é um exemplo disto mesmo.
 O atleta jovem precisa, além do mais, de jogar. Pelo que os plantéis devem ser curtos, a ponto de promover, por vezes, adaptações posicionais que alarguem a capacidade de compreensão do jogo. Há o risco de perder jogadores importantes? Talvez, mas o risco esbate-se no caso de abrirmos as tais filiais formativas de que falávamos. O centramento homogeniza o treino, sim; mas há, hoje em dia, suficientes meios de comunicação para que haja uma compreensão alargada do que se faz em cada pólo; isto evita também encargos excessivos com os jogadores que têm de vir morar para o Seixal e que ficam órfãos de uma estrutura familiar equilibrada e constante, que permita um maior acompanhamento do miúdo. Evita também excessos de pressão precoces, de pais que acham que, a partir do momento em que o filho vem para Lisboa, será uma superestrela futebolística. Não há qualquer razão para não estender a formação a várias regiões, até porque há viabilidade financeira, como foi explicado no texto anterior. Podíamos, mesmo, abrir filiais no Brasil e nas ex-colónias, para facilitar a integração no futebol europeu, e onde a perspectiva de um salto para o futebol europeu mais iminente daria acesso privilegiado a certas promessas.
 Por fim, seria importante uma integração sutentada dos júniores no futebol sénior. Encarar aqueles que integram a equipa principal como verdadeiros reforços, fazer uma gestão equilibrada da segunda equipa e escalonar os empréstimos por jogadores com capacidade imediata para actuar na primeira, segunda ou terceira ligas, de modo a fazerem sempre um percurso ascendente. Jogadores com Sancidino Silva, neste ano que aí vem, ou Diego Lopes, no ano que passou deveriam ter sido, desde logo, integrados numa equipa de futebol profissional.
  Sobre a integração dos jovens, em si, e sobre o aproveitamento dos talentos, haverá um texto para breve. Por agora, "respeitemos a noite"

Sem comentários:

Enviar um comentário