domingo, 20 de maio de 2012

Sobre modalidades (d)e economia

 Que a doutrina é propícia a divisões, já todos o sabemos: é o que acontece nos assuntos importantes. Platão e as formas ideais, Aristóteles e as formas terrenas, Agostinho e S. Tomás, Beatles e Stones e Nuno Gomes ou Simão. Formam-se exércitos de argumentos afiados e línguas preparadas, onde não se admitem meias coisas. Já diz o Apocalipse - para adoçar o sabor épico da guerra - que, aos mornos, vomitá-los-à da sua boca.
  O peso das modalidades, portanto, não foge à regra. Há quem defenda a pluralidade, um clube de desporto e não de futebol, e um Benfica à laia de diamante: sempre o mesmo mas com várias faces. Outros, porém, falam de prémios de consolação, da inviabilidade económica e de distracções em relação ao essencial.
  Os argumentos estão bem fundamentados: vai-se ao complexo mundo positivo da estatística, revelam-se bastiões históricos importantes e projectam-se futuros com uma única coisa em comum: a garantia de sucesso no caso de se enveredar por aquela via.
  Não abona certamente a meu favor, mas tenho uma certa queda louvaminheira, uma jesuítica veia conciliatória que me dá o epíteto do tal "morno" que não escapará ao Apocalipse. Qual criança, que quer o bolo e o chocolate, também eu quero o futebol e as modalidades. Não que eu seja economista de beca e galões dourados, mas parece-me, até economicamente, o mais viável. Vejamos:
O problema da aposta nas modalidades é sempre o mesmo: o parco rendimento que dão pode minar o futebol, por lhe gastar dinheiro excessivo. Trata-se de uma espécie de parasita que impede o crescimento do futebol por lhe sorver o dinheiro. Claro que, se acharmos que as dívidas "não são para pagar, apenas para gerir", isto não é um problema. Mas no meu Benfica só cabem gentis-homens, que honram os seus compromissos e portanto pagam dívidas. Claro que, se acharmos que o futebol já cresceu quanto baste, isto não é problema. Mas a minha loucura Napoleónica acha que o Benfica deve competir com os grandes clubes da europa em tudo, sem precisar de "encaixar 30 milhões por ano" - o que é um eufemismo para a venda de jogadores-chave -, apesar da liga em que joga (que não é assim tão má, nem a liga que contratou Eto'o assim tão boa).
  Há, de facto, modalidades que só muito a custo serão rentáveis financeiramente. Como é que o râguebi, desporto amador e de pouca monta em Portugal, pode ser rentável? Modalidades como esta são, à partida, um sorvedouro de dinheiro, que retira poder de nível europeu ao futebol.
  Por outro lado, o peso histórico de modalidades como o ciclismo ou o atletismo na nossa história impedem-nos de encarar como menos do que uma facada nas costas de Cosme Damião o descurar de uma modalidade.
  Só parece, portanto, haver dois modos de encarar a questão: ou investimos mais no futebol para que, a prazo, haja retorno que permita investir nas modalidades - o que implica um prejuízo imediato destas; ou se investe imediatamente nas modalidades para que, a prazo, se tornem auto-sustentáveis, com o perigo de um prejuízo imediato do futebol. Ora, qualquer das situações  - enquanto interrupção momentânea do fervor do investimento - pode significar uma passagem dos próximos anos a correr atrás da cauda dos adversários, à laia de Arsenal.
  Há, no entanto, maneira de investir ao mesmo tempo nos pares e nos impares, sem que a roleta nos seja desfavorável? Talvez haja, implicando a hipoteca do movimento da nossa caixa-forte, do nosso ex libris desportivo, do nosso eixo desportivo Seixal-Luz.
 Se há ponto em que a actual direcção, juntamente com a anterior, teve um papel importante, foi na restruturação financeira. Não discutirei equilíbrios de contas nem a inflamação dos benefícios apregoados. Interessa, isso sim, que foi reposta uma credibilidade que tem de ser óbvia no Benfica: que um clube com tantos adeptos é o mais apetecível dos alvos comerciais. O Benfica tem dezenas, centenas, milhares (nunca fui homem dos números) de parceiros comerciais à espera de negócios que não se fecham pela incapacidade do Benfica em dar vazão a tantos pedidos. É compreensível, não há espaço, não há tempo para dar aos interessados a visibilidade pretendida. Ora, isto provém de um centramento do Benfica - até certo ponto compreensível - numa região muito específica. Teve-se, durante vários anos, filiais espalhadas pelo país. Se é compreensível que um desejo de facilitar a comunicação, de controlar os factores de variação, tenha levado a um centramento do benfica, também há um prejuízo financeiro motivado pela incapacidade de corresponder às necessidades dos potenciais investidores. Isto é: da mesma maneira que uma livraria pode mostrar mais livros se tiver mais espaço, também um clube tem mais expositores se tiver mais actividade. Há público que assiste a futsal? Há. Poderia haver mais? Poderia: há adeptos que vivem no Porto e que, com certeza, não têm disponibilidade para vir até ao Seixal ou à Luz assistir aos jogos das modalidades.
  Claro que o Benfica não pode enfraquecer as suas equipas principais e, para isso, é bom que haja um certo centramento. Mas um pavilhão desportivo virado para a formação no Porto seria, com certeza, além de mais um espaço de exposição para investidores, um bastião benfiquista em território potencialmente adverso. Noutro texto, discutirei as vantagens pedagógicas de uma desregionalização da formação. Interessa-me, no entanto, por agora, explicar que há, no Benfica, capacidade para que um investimento destes seja auto-sustentável. Não há capacidade, isso não, para investir mais no mesmo sítio: não há público e não há montras suficientes.
  O Seixal, obviamente, tem vantagens, e deve ser o único pólo sénior de qualquer desporto, e mesmo dos últimos anos da formação. Mas estes, normalmente, não são os factores economicamente problemáticos. Esses podem ser resolvidos com apoios, que podem existir desde que o Benfica também alargue a sua disponibilidade.

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