terça-feira, 22 de maio de 2012

Formar a formação II


 Ser bom para os outros é bom para mim. Afirmo-o, e tenho um arsenal de nomes suficientemente pesados para me aquecerem as costas: Tocqueville defende-o quando explica a importância do cristianismo para a democracia, La Rochefoucauld chama-lhe uma forma avançada de amor sui e mesmo Nietzsche, no Anticristo, explica que esta vontade de ajudar os fracos é uma forma peculiar de superioridade.
 No futebol de dribles e potência, velocidade e altura, no entanto, isto não é sempre assim. E isto talvez seja útil para um golo bonito, mas o futebol de valorização do outro, de equipa no verdadeiro sentido do termo, é válido mais vezes. É isso, portanto, que se deve procurar na formação: não o melhor jogador do mundo, mas sim o melhor jogador para fazer da equipa a melhor equipa do mundo.

 Em primeiro lugar, há-que conceder todas as indulgências aos jogadores. Se têm apenas 10 minutos de oportunidade para mostrar o que valem, é natural que queiram ser exuberantes. Nunca culparei o Nélson Oliveira pela quantidade de vezes que se agarrou desnecessariamente à bola durante este ano - só me admira que não tenha pintado o cabelo de cor-de-rosa para der nas vistas, desse por onde desse. Isto, no entanto, só prejudica o Benfica. Desaproveitar talentos, mais do que prejudicar um rapazito com poucas perspectivas, prejudica o clube. Este, portanto, deve fazer os possíveis por aproveitar o talento. Não interessa se o rapaz é um anormal, birrento, egoísta ou mimado: casos como o de Fábio Paim não devem acontecer, porque quem fica mais prejudicado é o clube, que perde um potencial activo importante.
  Este não é, portanto, um texto técnico. Apenas pretender mostrar que o modelar da personalidade tem reflexos competitivos. Isto é: se um jogador é egoísta fora de campo, por que razão não o será dentro de campo? Se perde a cabeça com facilidade, como é que vai ter frieza num momento competitivo importante? Da mesma maneira que a escola é importante para o desenvolvimento de uma inteligência que terá reflexos naturais dentro do campo, a formação do carácter não será diferente. O que impressionava em Guardiola não era apenas uma forma de jogar à bola. Nós víamos aqueles passes milimétricos e sabíamos o cuidado com que pediria a mulher em casamento. Um jogo de Guardiola era uma descrição psicológica da sua vida, e isto é mais comum do que parece. É claro que, depois, temos Maradona, o homem que deve ser admirado em tudo e imitado em nada, mas mesmo neste vemos um futebol em bruto a crescer pari passu com a sua vida. A tese fundamental, portanto, é esta: de um rapaz generoso podemos esperar mais facilmente uma atenção para os movimentos dos companheiros de equipa, como podemos esperar um jogo mais inteligente de alguém que é, de facto, mais inteligente: o futebol não muda aquelas que são características humanas e não técnicas.
  E, a partir do momento em que o carácter é formado, não faz sentido perder a rentabilidade de um jogador sénior em correcções educativas, da mesma forma que é um desperdício ter de corrigir posicionamentos tácticos a jogadores tecnicamente dotados. Esta formação dá-se, portanto, na altura prática. Os castigos duros, as ausências de convocatórias, as correcções educativas dão-se no devido lugar: na formação. A ânsia de títulos jovens, no entanto, parece torcer este olhar a ponto de, chegados a séniores, os jogadores não terem estas noções. Para um jogador ser um sénior mal comportado, foi um júnior mal educado. E é esta a vantagem da formação: saber com que é que contamos à partida e a tempo de o corrigir. Se há casos desses no futebol sénior? Haverá, mas não deve ser com os nossos. Enzo Perez quer sair? Haja dureza, para que o Miguel Herlein e o Diego Lopes aprendam. O que não pode é ser o Manuel Fernandes a fazer birra, quando o tivemos tanto tempo nas mãos para o moldar.
 Há, obviamente, jogadores mais problemáticos e quase incorrigíveis. Mas, também nesses casos, perde o Benfica por não os aproveitar: Gascoigne teve boas épocas, Futre teve boas épocas, Ronaldinho teve boas épocas. Não poderá também o Sidnei ter? Rédea curta quando anda por cá, acompanhamento constante (para que serve, afinal, o gabinete de inteligência desportiva?), definição de objectivos a superar e  cuidado especial com os empréstimos. É mais útil um empréstimo ao Fátima, clube de cidade pequena, do que ao Estoril onde a noite é tão atractiva.
 Claro que os bad-boys não são os únicos casos de desaproveitamento de talentos, e talvez nem sejam os mais prementes. Importante, no entanto, é perceber que o Benfica tem obrigação máxima de explorar os seus activos. Quer eles estraguem os joelhos por desleixo, quer se portem mal, quer sejam demasiado tímidos para expôr à partida todo o futebol. Se há talento, que se aproveite. E, de preferência, desde pequeno, porque a personalidade também molda o talento.

3 comentários:

  1. No ponto em que se toca no Guardiola e a sua forma de bem tratar uma bola que teria reflexos na forma como trataria a namorada, passou-me logo um nome: Aimar!
    Como trata a bola e como é fora das 4 linhas.
    Um gentleman!
    Quanto ao cerne do post, realmente não "bate" estar a gastar-se rois de dinheiro em FORMAÇÃO para 99% dos jogadores não serem aproveitados pelos mais variados motivos, até fubebolísticos!

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  2. Erratas:
    "rois" deve ler-se: rios
    "fubebolísticos" deve ler-se: futebolísticos

    Apologias!

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    Respostas
    1. Claro, Pablo Aimar acima de todos! É absurdo, da mesma maneira que é absurdo atrasar carreiras de jogadores a mantê-los no plantel, sem que sejam nunca apostas sérias. Obrigado pela visita, volte sempre

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